quinta-feira, setembro 09, 2004

SOMOS CRIANÇAS

Imaginem esse cenário: sala do meu apê, noite amena, clima super agradavel, eu e Nobru cansados da viagem curtindo um momento "chapados", esparramado no puf, vendo TV... resumindo, "just chillin'". Dois baseados ja tinham rolado. Relaxamento total e filosofia a flor da pele. De repente chega mais um, cidadão Dcoque; parou de fumar recentemente e parece que redescobriu a vida por trás da nuvem de fumaça, bom pra ele, espero que dure.

Obviamente, mais um baseado é aceso. De repente, comecamos a falar da vida e de trabalho, o Dcoque fala da faculdade e de tal trabalho que ele está fazendo, sobre a historia da comunicação, bem interessante. Disse ele que agora o foco era do século XVIII até o tempo presente; continuou ele dizendo que poucos séculos foram tão produtivos inventivamente falando como o XVIII, verdade, verdade. Mas, em nossos estados bastante cannabicamente alterados, logo logo isso puxou outros varios assuntos filosoficos e começamos a falar do destino do planeta, da humanidade, etc.
Vai que o Nobru solta uma pérola "na verdade, somos todos crianças, e o mundo é o nosso play". Na hora eu captei o que ele quis dizer (se bobear, até mais profundamente que ele mesmo, heheh), foi como se um insight puxasse o outro, eu comentei "que nem aquele documentario do GNT, podes crer, a gente faz merda no mundo, sem ligar, e que se foda quem vier depois...".

E aí comecei a pensar em escrever, la mesmo, no meio do "papo-cabeça", me imaginei aqui, teclando, e agora cá estou. COOL! :)

Então, contextualizando, como sempre. O tal documentario do GNT (esqueci a porra do nome pra variar) mostrava um grupo de crianças, de todos os tipos, com idades entre 10 e 14 anos (eu acho). Mostrava todas elas em uma casa, sozinhas, durante 3 dias. Tinha todo o tipo de criança: pobre, rica, feia, bonita, chata, legal, negra, branca, ruiva, etc. Tinha os tímidos, os bagunçeiros, as pentelhas, as gordinhas envergonhadas, etc, etc, etc. E tudo num esquema de Big Brother, com todos sendo vigiados 24hs por dia.

Não preciso nem dizer que ao final dos dias, a casa estava COMPLETAMENTE destruida, rolaram diversas brigas entre as crianças la dentro, humilharam umas as outras, criticaram umas as outras pela classe social, pela cor, pelo colégio que frequentavam; se uniram em grupo para atacar as outras em minoria; se alimentaram porcamente, sentiam fome e ficavam reclamando, apesar da casa estar lotada com todo o tipo de comida. Não satisfeitos, na hora de ir embora, pilharam a casa e roubaram vários itens, muitas vezes coisas que nem são próprias de crianças, como abajures e sabonetes; roubaram só pra dizer que o fizeram.

E eu achei essa analogia do Nobru muito perspicaz. Em relação ao mundo, digo planeta Terra (ou seja, "nossa casa"), somos crianças. Podemos ser super inteligentes, evoluídos, produzir obras de artes maravilhosas, desenvolver tecnologias incrivelmente avançadas, aventurarmo-nos pelos caminhos secretos da mente humana, mapear o universo, e o caralho a quatro. Mas e a Terra? A Terra que se foda. Vamo é comer porcaria, vamo sair na porrada uns com os outros só por que ele fala OM e eu falo Amém, só por que ele é pobre e eu sou rico. Vamo pegar todas as florestas e transformar em madeira, ou pior, em pasto. Precisamos de muitas casas, de muita carne; precisamos de muito petróleo; queremos carros, muitos carros, cada vez mais lindos, espetaculares, causando mortes e gastando mais e mais petróleo, petróleo esse que ja foi causador não de uma, mas de várias guerras. Vamos jogar todo o lixo no mar, o mar é enorme, não vai ficar sujo nunca. Se tem um rio pertinho de uma fábrica, pra que eu vou processar o lixo e levar prum depósito químico, taca ali no rio mermo, ninguém vai ver. Isso é ou não é atitude de criança? "Aí, ele te chamou de viado!" "O quê? Vou lá dar porrada nele. Quem vem comigo?" E tome porradaria a custa de nada, e tome guerra. As vezes ninguem chamou ninguem de nada, e mesmo que tivesse chamado, é mesmo motivo pra dar porrada?
Pra que somos dotados de raciocínio lógico? Pra que possamos desligá-lo toda vez que for interessante mostrar nossos instintos brutais para o resto do mundo e pra mulherada? "Vou mostrar que sou homem machão fodão, de repente, assim, aquela menina bonitinha do vizinho olha pra mim e eu dou um beijo nela. "

A Terra tá indo pro brejo, a humanidade também. Não são só coisas materiais e naturais que estão sendo depredadas; não é só a Amazonia e a camada de ozonio que estão sendo destruidas minuto a minuto. Não são só as guerras insanas que eclodem a cada dia. Como se toda essa maluquice não bastasse, nossos valores pioram a cada dia. Estamos cada vez mais idiotas, mais gordos, mais doentes, vendo mais TV, ficando mais reféns de celulares e aparelinhos "absolutamente necessários", computadores, remédios que não curam merda nenhuma e custam fortunas. Lipo-aspiração, Botox, implante de seios, Ferraris. Que porra é essa? Isso é Barbie, só que gastando muito mais dinheiro. Iraque, Afeghanistão, Vietnã, Desert Storm? Aquilo é um grupo imbecis brincando de Comandos em Ação com pessoas de verdade. Terrorismo então, aquilo é típico de uma criança que não recebe atenção em casa, se revolta e começa a quebrar todos os brinquedos; quem aqui nunca ouviu uma historia dessas?

A gente precisa crescer. Amadurecer. Tomar responsabilidade e medir as consequências de nossos atos, coisas que geralmente crianças não fazem. Estamos lidando com vidas, com a existencia no (e do) planeta. Se você arrancar um braço, não dá pra encaixar outro. Se matar uma pessoa, não pode comprar outra igual na loja. Se destruir a Terra, não da pra esperar o sábado, por que é o dia da faxineira. Aqui, na vida real, na vida adulta, onde cada coisa que fazemos tem reflexos por todo o mundo, as coisas são definitivas, mas como crianças, não queremos tomar responsabilidade. "Não fui eu, foi ele. Ele que comecou." Surge aí um paradoxo. Apesar de todos temermos a morte e nos empenharmos para adiá-la e até evitá-la, a usamos, inconscientemente como desculpa. "Vamos usar tudo que o mundo tem para oferecer, to cagando pras consequencias, eu vou morrer mermo, as gerações vindouras que se virem." Isso é bem coisa de criança né? Bagunça tudo, faz um monte de merda e pensa "inocentemente": "Ah, depois vem alguem e limpa, pra que vou me preocupar?"

Já tem gente adulta de verdade por aí, aliás sempre teve. Dificil, é no meio dessa criancada, que grita sem parar, reclama sem parar, e faz merda sem parar, é ele se fazer ouvir e conseguir explicar pra todo mundo que eles tem que ficar quietos, simplesmente pararem, escutarem de verdade, uns aos outros, escutarem o adulto, por que ele sabe das coisas. Vai falar um monte de coisas "que a gente tá cansado de saber" mas que como toda a criança faz, entra por um ouvido e sai por outro.