quarta-feira, junho 13, 2007

Deixa eu ver, deixa eu ver
(a digitlização sob nova luz)

Estamos na era digital, isso é um fato, caso você queira enfrentá-la ou não. Ainda que grande parte do mundo se encontre em baixíssimos e desanimadores(?) estados de evolução tecnológica, o digital vem mudando cada vez mais a cara do planeta.

A digitalização é um processo de evolução tecnológica inevitável, pois tudo que é digital é mais barato, mais aplicável e muito mais escalável. Não é de hoje, porém, esse processo, ainda que os adolescentes e jovens de hoje tenham dificuldades em imaginar um mundo sem MP3. Muitas coisas do nosso dia-a-dia já são “digitais” a muito tempo, ainda que essa digitalização tenha passado desapercebida pela maioria. Apenas uma melhora no produto ou serviço é notada, mas não sabem exatamente como ou por quê. As centrais telefônicas por exemplo, na minha infância - quando a internet não existia por aqui - eram analógicas e sofríamos com o constante ruído na linha que derrubava a ligação ou interrompia transferências longas e lerdas. Com o advento das centrais digitais, passamos a ter correção de erros automáticas no tráfego de dados e voz via telefone, o que melhorou em muito a vida de todos. Lembro bem do dia em que ligaram lá pra casa oferecendo (a custo zero!) a troca da linha, que agora dava sinal (dial tone) imediatamente e completava a ligação em poucos segundos. Que maravilha!

Mas a digitalização é algo de aplicabilidade tão ampla que é difícil acompanhar seu advento nas diversas tecnologias que envolvem nosso cotidiano. Uma aplicação muita famosa é o nosso querido CD, que substituiu o bolachão preto. A velha vitrola usava tecnologia analógica para reproduzir um disco; em cada sulco do vinil existiam ranhuras que representavam fielmente a onda de som, a agulha ao se mover pelas ranhuras reproduzia, com perfeição, o que estava ali impresso. Mas, com ruído. Todos devem lembrar que era só colocar a agulha na faixa 0 (o inicio do disco) pra ouvir aquele som característico XshXHXhshsXhsshsX antes de começar a música. O que era aquilo? Nada mais normal: sujeira na agulha, pó no disco, qualquer coisa, a agulha reproduz. O CD acabou com isso, pois desde que inventaram uma maneira de representar a onda de som de forma binária (digital) todas as possíveis melhorias que vem com a digitalização se realizaram. Pra começo de conversa, o leitor é a laser, não encosta no disco, e fica dentro de um recipiente fechado, não há pó ou sujeira que atrapalhe. Como os dados são lidos em bits (microscópicos pedaços de vidro, ora espelhados, ora foscos que representam 1s e 0s), eles podem ser processados antes de serem reproduzidos, o que permite a correção de erros, por isso que CD arranhado toca normalmente, o que era totalmente impossível com vinil. E mais, CDs em carros, que não pulam, mesmo no quebra-mola, pois o player lê “antes” alguns segundos de música e não deixa a musica parar mesmo que a leitura seja interrompida por um solavanco. Fantástico!

Percebe-se claramente como o processo de traduzir coisas analógicas para bits só aumentam a capacidade, qualidade e possíveis evoluções tecnológicas em cada meio trabalhado.

Mas, como sempre, existe o problema da fidelidade e o culto ao vintage. Saudosistas e DJs tops até hoje usam vinil por acreditar que o som mais fiel ainda é proveniente do vinil. Quanto a isso, não há argumentos, afinal o digital, tecnologicamente falando, nunca vai chegar a fidelidade do analógico. No entanto, estamos tão próximos que só ouvidos (ou olhos) extremamente aguçados conseguem perceber a diferença. O DJ consegue perceber, 99% do público (eu incluso) não. Hoje em dia existem sistemas de som analógicos que custam fortunas e são apreciados por aqueles abastados sonófilos que exigem um som “puro” e “fiel”.

Em geral a digitalização é positiva pois barateia a tecnologia, tornando-a mais democrática e acessível. Hoje em dia pode-se comprar um aparelho de DVD por menos de cem pratas. Imaginem quanto tempo demoraria até que um aparelho VHS Hi-Fi chegasse a um preço desses? No meu ver, nunca!

Porém, nem tudo são flores nessa onda digital e você já deve estar se perguntando que diabo de título é aquele. O digital atingiu o video, as fotos e o som portátil. A tecnologia digital é ridiculamente mais barata (e mais descartável) que a analógica. Qualquer um, hoje em dia, com algumas centenas de reais pode ter em mãos um câmera digital capaz de tirar fotos profissionais com esforço zero. A impressão de fotos digitais já está barata, e só compra filme hoje quem odeia câmeras digitais ou quem adora gastar dinheiro. Os MP3 players invadiram de vez o mercado e pelo que observo nas ruas não vão demorar a substituir de vez os Discmans e afins.

Com a digitalização vem a banalização. Se torna tão fácil hoje em dia colocar suas músicas preferidas no iPod ou tirar fotos com seu celular, que o objeto “musica” e o objeto “foto” perdem seu valor original. Pensem em desde que a música passou a ser reproduzida (por pessoas e instrumentos) até hoje (por iPods usados por adolescentes até na mesa do jantar) e faça uma reflexão sobre o valor que lhes era dado em cada época. Antes era necessario um pintor extremamente habilidoso para fazer um retrato fiel de uma pessoa, hoje qualquer celular meia-boca tira excelentes fotos, que cada vez mais, são mais iguais e insípidas - as pessoas tiram as mesmas fotos, nos mesmos lugares, com as mesmas pessoas, afinal, não custa nada.

Outro dia eu estava fazendo uma trilha com minha namorada e vi uma familia que claramente não era muito “dessas coisas”, pois logo no inicio da trilha, aonde não havia nada demais, estavam clickando tudo que se mexia. “Deixa eu ver, deixa eu ver” diz a menina para o irmão, querendo ver a foto que ele acabara de tirar no avancadíssimo display de LCD. Ela estava mais interessada na foto, naquele exato instante (pois esperar uma semana para ver uma foto, nos dias de hoje, é uma noção estapafúrdia), do que em apreciar a natureza exuberante que a cercava. Já deveria estar pensando que, quando chegasse em casa, a primeira coisa que iria fazer seria colocar aquela foto, no orkut e no fotolog, com a legenda “Adoro trilhas”.